terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

AS TRADIÇÕES DOS RELATOS DA CRIAÇÃO



Faz-se agora a análise geral dos dois relatos da criação. “A Bíblia contém dois relatos da criação no início do Génsis, embora o termo ‘criação’ não se adapte bem ao segundo relato” (J. L. MACKENZIE).

A. Tradição Sacerdotal

O primeiro relato (Gn 1,1 - 2,4a) é um texto sacerdotal, isto é, da tradição sacerdotal. Quando o autor sacerdotal escreve esta narração sobre as origens do mundo, o povo hebreu estava no cativeiro da Babilónia (entre os anos 587 e 538) (P. GRELOT), “onde se adora o deus Marduk; está ali continuamente em contacto com todos os mitos Mesopotâmicos que narram principalmente como os deuses criaram o mundo. Em reacção a estes mitos, para suster na fé os seus irmãos e também para preparar a restauração depois da libertação esperada, um autor inspirado escreve a primeira narrativa da criação (Gn 1,1 - 2,4a). Ele conhece muito bem o documento javista. Contenta-se em invocar liturgicamente o acto criador de Deus e a organização do mundo no qual o homem tem de viver. A sua narração, cheia de hieratismo dum texto litúrgico, pode ter desempenhado na liturgia de Israel um papel, paralelo ao que desempenhava o mito babilónico da criação no culto de Marduk, nas festas do Ano Novo” (P. GRELOT).
“Esta narrativa, atribuída à fonte sacerdotal, mais abstracta e mais teológica que a seguinte (Gn 2,4b-25), quer dar uma classificação lógica e exaustiva dos seres criados, seguindo o plano de uma semana e terminando com o repouso sabático. Os seres vêm à existência segundo o chamado de Deus, segundo uma ordem crescente de dignidade, até ao homem, imagem de deus e rei da criação” (Bíblia de Jerusalém).
Pode-se dividir esta fonte como dividiu S. Tomás de Aquino em quatro partes lógicas: 1. é a obra da criação inicial (Gn 1,1-2); 2. é a obra da distinção (Gn 1,3-10); 3. é a obra da ornamentação (Gn 1,11-31); 4. é a obra da conclusão e consagração do sétimo dia (Gn 2,1-4a).
“Obra dos ambientes sacerdotais provenientes de Jerusalém, profundamente marcados pela situação do exílio, este documento retoma também as antigas tradições, para lhes dar uma interpretação e encontrar nelas a luz para as situações difíceis” (J. BRIEND).

B. Tradição Javista

O segundo relato da criação (Gn 2,4b-25) é um texto javista, isto é, da tradição javista. Este relato, que é do século X-VIII a.C., é anterior ao relato sacerdotal. Ele “foi escrito na segunda metade do século X, durante o reinado de Salomão. Apoia-se sobre tradições orais ou sobre textos já escritos. Esta obra composta no reino de Judá reflecte, de certa maneira, os ideais da corte de Jerusalém” (J. BRIEND).
Este relato (javista) não descreve como se deu a origem do mundo e não dá uma explicação tão pormenorizada sobre a criação. “Ele não concebe o mundo como um abismo primitivo, mas sim como deserto. E a criação parece-se realizar através da irrigação do deserto pela água que Deus manda para a terra” (. L. MACKENZIE).
O estilo deste autor é um estilo muito diferente do autor sacerdotal. “Ao contrário do sacerdotal, intelectual e teológico, o javista não lança o seu olhar para o espaço cósmico, mas para o seu campo de trabalho, o ‘mundo’ pequeno da sua terra, donde arranca, dia a dia, o seu sustento, com suor e lágrimas. É uma visão do mundo mais utilitarista e prática” . Por isso, se não podemos pedir rigor científico à tradição sacerdotal porque é mais intelectual e teológica que a javista, não podemos de maneira nenhuma pedir rigor científico a esta, porque nasceu no povo, no meio de agricultores e pastores.

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