terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Mensagem de D. António Francisco para a Quaresma


O Bispo de Aveiro lembra que a Quaresma e a Páscoa “proporcionam um tempo de caminhada espiritual para quem faz do sonho humano e do projecto cristão uma convicção de fé, uma atitude de fidelidade, um caminho de conversão"


Irmãos e Irmãs,

1. A Quaresma é tempo de salvação e de graça que marca o ritmo de vida da Igreja. Queremos viver este tempo com verdade, como um estado de espírito e de caminhada na fé que tomamos para nós e para as nossas comunidades. Nenhum de nós vive sozinho, por mais só, isolado ou abandonado que esteja. Vivemos em família, em sociedade e em Igreja decididos a construir como nos propúnhamos no primeiro dia deste ano, dia mundial da paz, um equilíbrio ecológico saudável com toda a criação. Como Igreja Diocesana, mãe e educadora da fé, comprometemo-nos nesta II.ª Etapa do Plano Diocesano de Pastoral a proporcionar momentos de formação para as comunidades no seu todo, tendo como tema: “A fé, fundamento da Esperança”. Estamos conscientes de que tudo é possível a quem crê e por isso queremos despertar para uma vida nova e testemunhar a nossa fé com alegria e verdade! A dimensão baptismal e a dimensão penitencial estarão presentes ao longo deste tempo com mais incidência e esforço, levando-nos a procurar com assiduidade a Palavra de Deus, a fortalecer a vida com o sacramento da Penitência e da Eucaristia e a mobilizar as comunidades para crescerem na maturidade da fé e no compromisso cristão. Só Cristo é fonte de água viva, luz do mundo e cura redentora que vence o pecado e ultrapassa a morte. A Quaresma e a Páscoa proporcionam um tempo de caminhada espiritual para quem faz do sonho humano e do projecto cristão uma convicção de fé, uma atitude de fidelidade, um caminho de conversão, uma experiência de revisão de vida, um encontro feliz com Deus e um louvor pascal permanente.

2. A mensagem do Santo Padre para esta Quaresma lembra-nos que “a justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo” (Rom 3, 21-22). Todos sabemos que aquilo de que a humanidade mais precisa não lhe pode ser garantido por lei. O homem necessita de um existência em plenitude que nasce da justiça de Deus, cresce na fé e é fruto precioso do mistério redentor da cruz e da Páscoa. Converter-se a Cristo e acreditar no Evangelho é caminho para esta existência de plenitude. Com Cristo, justiça de Deus, o mal já não terá domínio sobre nós, a pobreza será erradicada e a injustiça eliminada do coração humano. Só Deus levanta do pó o indigente e só Ele nos fará compreender os horizontes novos, inesperados e surpreendentes da justiça, inaugurados pela Páscoa, em que o justo é capaz de morrer pelo culpado para que o culpado receba em troca a bênção do justo. Cristo é este Justo que no mistério da cruz e da redenção se ofereceu pelos culpados. Sabemos, como nos lembra o Santo Padre, que a fé não é um facto natural, cómodo, óbvio. É preciso humildade para acreditar, coragem para confiar, perseverança para ser fiel e para descobrir que precisamos de Deus, do seu amor e da sua misericórdia. Com passos firmes e corajosos, queremos, como cristãos, caminhar na esperança, vencer a rotina, viver da fé e educar para a justiça.

3. Todos clamamos por mudança de sistemas e sentimos a complexidade, o distanciamento dos valores da vida e a morosidade da justiça humana. Não basta a existência da lei nem a sua aplicação para que sejamos resposta e amparo, segundo as bem-aventuranças, para os que têm fome e sede de justiça. A sociedade tem, no campo específico da justiça como noutros horizontes da vida, um longo caminho a percorrer. O realismo da vida social, os clamores do povo e as situações concretas de injustiças humanas dizem-nos que os cristãos são chamados, pela abertura de coração, pela verdade da fé e pela transparência da vida, a contribuir para instaurar a justiça no coração da cidade dos homens e mulheres do nosso tempo e na vida das pessoas, das famílias, das empresas e das instituições.

4. A consciência da nossa fé, a responsabilidade de cada pessoa na construção do bem comum, o conhecimento de tantos dramas pessoais e sociais, a sensibilidade diante do sofrimento humano, o espírito de partilha com os que mais precisam, lutam e sonham e a atenção a todos os que batem à nossa porta ou a muitos outros que se escondem no anonimato da sua pobreza e se vestem com a tristeza da sua miséria devem tornar-nos mais atentos e disponíveis, mais solícitos e solidários. A justiça completa-se com a caridade, fonte inesgotável de amor, de generosidade e de dom. É com este espírito de caridade cristã e de partilha solidária que vos convido, amados diocesanos, a uma generosa renúncia quaresmal, que este ano orientaremos para a Igreja de Cabo Verde e para o Fundo Diocesano de Emergência Social, criado na nossa diocese, de acordo com a decisão assumida no Plano Diocesano de Pastoral Sócio-Caritativa. A ajuda à Igreja de Cabo Verde e concretamente à paróquia de S. Miguel e ao Centro Social Paroquial do concelho da Calheta, na diocese de Santiago, empenhado na promoção feminina, no apoio a mães solteiras, na alfabetização de adultos e no Centro juvenil inscreve-se no contexto e na consolidação de um projecto anterior de voluntariado missionário, através da colaboração do nosso Colégio de Calvão e da presença e do trabalho nessa paróquia de vários membros da nossa Igreja diocesana. Este sentido dado à renúncia quaresmal não nos dispensa de continuarmos a contribuir com generosidade, através da Cáritas Diocesana, para minorar o sofrimento do povo mártir do Haiti e ajudarmos pelos caminhos da comunhão entre Igrejas a reconstruir esse País e a dotar a Igreja local das estruturas de que necessita para a sua missão. Assim como não nos impede de, particularmente neste Ano Internacional de luta contra a pobreza e exclusão social, continuarmos a trabalhar para erradicar a pobreza no nosso meio, minorando dores e provações por que passam muitos dos que vivem ao nosso lado.

5. A vivência do Ano Sacerdotal como sinal mais visível da beleza do ministério e do testemunho de fidelidade dos sacerdotes e a próxima visita do Santo Padre a Portugal sob o lema: “contigo caminhamos na Esperança” devem ajudar-nos a viver esta Quaresma e o Tempo Pascal com a consciência de sermos povo santo e sacerdotal e fermento de um mundo novo e melhor. Caminhando com o Santo Padre na fé e na esperança, acolhemos o convite que esta Quaresma nos traz para nos convertermos a Cristo, acreditarmos no Evangelho e construirmos a justiça, manifestando como pessoas, famílias e comunidades a fecundidade da cruz e a alegria da Páscoa.

Aveiro, 17 de Fevereiro de 2010

+ António Francisco dos Santos
Bispo de Aveiro

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